Migalhas – Fraude à execução e o dever de cautela nas aquisições imobiliárias – Por Debora Cristina de Castro da Rocha e Camila Bertapelli Pinheiro

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Importante ainda trazer a súmula 375 do STJ que dispõe o seguinte: “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova da má-fé do terceiro adquirente”. Entrementes, analisando a súmula colacionada, juntamente ao inciso IV do art. 792, não restam dúvidas de que basta ação em curso contra o devedor que seja capaz de reduzi-lo à insolvência, para que se configure a fraude à execução.

Não obstante, cumpre trazer a jurisprudência pátria, e especialmente que, a depender do entendimento adotado pelo Tribunal, o adquirente poderá vir a suportar prejuízos caso não adote as cautelas necessárias durante a negociação

APELAÇÃO CIVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. FRAUDE A EXECUÇÃO NÃO RECONHECIDA. LEVANTAMENTO DE PENHORA. IMÓVEL ADQUIRIDO POR TERCEIRO DE BOA-FÉ. POSSIBILIDADE. SÚMULA 375 DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. Ao terceiro cabe se valer de embargos de terceiro para levar à discussão matéria atinente a penhora de bem, que teria adquirido, mas que foi penhorado em processo de execução. Havendo prova de que a compra e venda foi firmada pela parte embargante em data anterior à constrição efetuada, deve ser reconhecida a boa-fé alegada pela embargante, o que culmina na procedência do pedido. A venda de imóvel para adquirente de boa-fé, antes do registro da penhora na matrícula do imóvel não evidencia fraude à execução, devendo, para a configuração do instituto, ser provado, satisfatoriamente, o consilium fraudis. No caso dos autos, restou demonstrado que a aquisição do bem pela embargante ocorreu em data anterior à penhora, ainda que o registro da constrição tenha sido posterior. Sentença de procedência dos embargos mantida. Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os ônus de sucumbência (Súmula 303 do STJ). Sucumbência recursal reconhecida e honorários fixados em prol do procurador da parte embargante majorados (art. 85, § 11º do CPC/15). NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.

(TJ-RS – AC: 70082001694 RS, relator: Eduardo João Lima Costa, data de julgamento: 3/10/19, 19ª Câmara Cível, Data de Publicação: 8/10/19)

Em outro julgado, encontra-se o afastamento da boa-fé, ante o entendimento do julgador acerca da ciência do adquirente do bem sobre a existência de ação em curso contra o vendedor

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – VENDA DE IMÓVEL APÓS O AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO – INEXISTÊNCIA DE OUTROS BENS CAPAZES DE GARANTIR O PAGAMENTO DA DÍVIDA – CONHECIMENTO DO TERCEIRO SOBRE A EXISTÊNCIA DE AÇÕES JUDICIAIS EM DESFAVOR DO EXECUTADO – FATO CONSIGNADO NA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – BOA-FÉ AFASTADA – FRAUDE À EXECUÇÃO: OCORRÊNCIA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ: NÃO CONFIGURADA – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ/PR – 6ª C. Cível – 0000903-48.2019.8.16.0131 – Pato Branco – rel.: desembargador Horácio Ribas Teixeira – J. 10/2/20)

(TJ/PR – APL: 00009034820198160131 PR 0000903-48.2019.8.16.0131 (Acórdão), relator: desembargador Horácio Ribas Teixeira, data de julgamento: 10/2/20, 6ª Câmara Cível, data de publicação: 14/2/20)

Quanto a ciência acerca da ações judiciais em curso, por certo que se dará através do levantamento das certidões indispensáveis, tanto envolvendo o imóvel, quanto a pessoa do seu proprietário, a fim de que seja evitada qualquer frustração e prejuízos financeiros, no que devem ser incluídas as certidões de débitos com a União (incluindo Previdência Social), Estado e do Município (negativa de IPTU do imóvel e negativa de quaisquer outros débitos em nome do proprietário); a Certidão da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens; a Certidão de processos judiciais da Justiça Estadual Comum; a Certidão de processos judiciais da Justiça Federal; a Certidão de Execuções Fiscais; a Certidão de Reclamatórias Trabalhistas; a Certidão Nacional de Débitos Trabalhistas; a Certidão de ações criminais, e claro, a Matrícula atualizada do imóvel com certidão negativa de ônus.

Até se poderia questionar, eventualmente, a necessidade de requerer, inclusive, as certidões da pessoa do proprietário alienante do imóvel, todavia, quando se está no tráfego jurídico da negociação imobiliária, o excesso acaba sendo sempre o maior aliado, especialmente do advogado contratado para a realização do trabalho de assessoria, pois, conforme demonstrado, não são raras as vezes em que os bens são alienados posteriormente ao ajuizamento de ações e quando o vendedor já se encontra insolvente, ou seja, quando os demais bens de seu patrimônio se revelam incapazes de fazer frente ao adimplemento das dívidas contraídas.

Tecidas as considerações acima, certo que, uma vez realizadas as diligências mencionadas anteriormente à aquisição do imóvel, grandes surpresas poderão ser evitadas no decorrer da negociação, ou mesmo, após a efetivação da compra, visto que a despeito da necessidade de que todos os atos estejam concentrados na matrícula do imóvel, nos moldes do artigo 54 da lei 13.097/15, sabe-se que em decorrência lógica do disposto no art. 792, IV do CPC e da própria morosidade do registro e da averbação dos atos, muitas situações ignoradas por não terem sido averbadas ou registradas, poderão ser conhecidas caso sejam realizadas as buscas das certidões visando aferir a inexistência de ocorrência apta a levar o proprietário à insolvência, afastando assim prejuízos ao adquirente do imóvel decorrentes da possibilidade de ser invocado o instituto da fraude à execução.

Por fim, na esteira da súmula 375 do STJ, tem-se que o entendimento adotado em nosso ordenamento jurídico se apresenta no sentido de que a boa-fé se presume e a má-fé se comprova, de modo que, uma vez demonstrada a adoção de todas as cautelas por parte do adquirente do imóvel, improvável se tornará a comprovação da má-fé capaz de tornar ineficaz a negociação imobiliária, evitando-se por sua vez, o prejuízo financeiro que dela poderia decorrer.

Fonte: Migalhas

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